02/12/2013

Um relato de parto incrível - para espantar o medo (parte I)

E aí que não sei se alguém já ouviu falar, mas existe um grupo virtual de discussão, uma lista de emails incrível chamada PartoNosso. Ela existe há anos (mais de 10), tem centenas de pessoas inscritas. O tema é óbvio, né: é uma lista nacional de apoio ao parto.

As participantes oscilam: tem hora que está repleto de mulheres prestes a parir, rola aquela expectativa, depois os relatos de parto, ou o luto pela cesariana não desejada. Depois vem nova onda de positivos e assim os assuntos se renovam, algumas participantes são ativas há anos, outras dão uma sumida quando os bebês nascem, depois voltam grávidas de novo ou porque tiveram um tempinho e ficaram com saudades. Algumas ativistas, profissionais de saúde (inclusive alguns famosos do campo), mulheres que estão começando agora suas leituras sobre parto e chegam para começar do zero, mulheres que já pariram 2, 3, 4 vezes, tentantes... o público é muito variado, desde que haja o interesse pelo tema parto. Não é uma lista só de mulheres, mas o público mais ativo é quase esmagadoramente feminino.

Participo da lista há mais de 1 ano, eu nem estava tentando engravidar nem nada, apenas soube dela e, por me interessar pelo assunto, entrei. Desde então aprendi demais, acompanhei histórias lindas, reviravoltas incríveis de dar inveja às novelas da Globo! Mulher que abandona obstetra com 41 semanas, obstetra que tenta convencer o marido da gestante que quer VBAC dos riscos desta prática, partos pelo SUS, particulares, domiciliares, em todo o Brasil, em outros países, amamentação...gente, é um mundo de histórias e um aprendizado que não dá nem pra contar!

Nesta semana que eu estava tão mobilizada com meus medos da cesariana, muito reflexiva à respeito como falei no post anterior, chegou um relato de parto simplesmente incrível. Me fez pensar muito! Pedi autorização à Roberta e ela permitiu que eu o publicasse aqui.

Compartilho com vocês no intuito de dividir um lindo relato e, principalmente, uma reflexão importantíssima sobre confiança no próprio corpo, sobre a possibilidade de que o processo de gestar e parir seja curativo e também uma excelente oportunidade de elaborar nossa história e lidar com nossos traumas, superando-os, e, acima de tudo, transformando-nos.

Como o relato é bem grande e eu gostaria de compartilhar também algumas reflexões minhas após lê-lo, dividirei em duas partes: o início hoje e o resto amanhã. Voltem pra ler o resto, viu!!! Vale a pena!

Senta que é grande, mas é lindo: o Relato de Parto da Roberta, em Belo Horizonte-MG.

A decisão pelo PD
Parto domiciliar era algo fora de cogitação durante a gravidez da Beatriz que nasceu de uma cesárea indesejada.

Conheci a Ong Bem Nascer quando estava com 38 semanas da Beatriz. E voltei a participar do grupo de forma mais frequente cerca de um ano depois. O grupo me interessava muito, mas tinha algumas dificuldades, pois associava alguns posicionamentos a posturas com tons fundamentalistas que me evocavam lembranças de alguns embates que tive na minha vida missionária. Aproximei-me novamente por meio da Eliana que já havia voltado a participar há mais tempo, agora do Ishtar.

Depois de me informar um pouco por meio do grupo presencial e virtual, de leituras e de uma conversa com a EO Miriam, tendo o prontuário em mãos, comecei a entender que grande parte das cesáreas não é fruto de fatalidade, mas de uma cultura e crença tecnocrática da saúde, de uma misoginia da fisiologia feminina, da industrialização do parto, obrigando o peculiar a se enquadrar num partograma mediano.

Entendi que confiar incondicionalmente no profissional e eximir-me da responsabilidade era uma roleta russa e que a orientação de me internar com apenas 1 cm de dilatação foi o primeiro passo para não saber nunca mais o resto do que poderia ser aquela história. Optar por ter um filho em casa não era uma decisão louca ou radical e muito menos mais arriscada quando se considera a ambiência favorável ao desenrolar do trabalho de parto, sem obrigações de tempo. E isso sem falar nas evidências científicas.

A decisão crescia em mim. Mas não tinha a mesma estatura no meu marido que, no entanto, se abriu a ela logo após participar do encontro Ishtar em fevereiro de 2012. Só engravidaríamos em junho de 2012, numa noite de São João.

A essa altura, eu já não sabia mais responder à pergunta: por que PD? A não ser com a resposta: me dê motivos para sair de casa. Aliás, a possibilidade de ir para o hospital me angustiava. Foram as contingências da gravidez, juntamente com a visita e o pré-natal no Sofia Feldman, incluindo o ambiente gostoso das terapias integrativas, que trouxeram a serenidade para cogitar um plano B, caso fosse necessário.

A gravidez: exercício da espera, da confiança, da entrega...
Antes de saber que estava grávida, havia marcado novo GO para conhecê-lo e quem sabe fazer com ele o próximo pré-natal. Aconteceu, porém, que quando chegou a data da consulta eu já me sabia grávida de 5 semanas. Cheguei com o livro ‘Parto Ativo’ debaixo dos braços. O médico me sugeriu fazer acompanhamento paralelo com EO e ao final da consulta pediu que eu vestisse a camisola para examinar-me. Fez um toque, argumentando que precisava da informação para adiantar os pedidos de exame, já que eu não fizera o BetaHCG, apenas exame de farmácia.

Foi quando eu pensei: não tem jeito, mão de médico coça para fazer exames! Se fosse para uma primeira experiência, teria ficado com esse médico, pois era bem mais humanizado. Mas eu já estava calejada. E resolvi que queria ser acompanhada por EO, pensando numa formação menos intervencionista.

Por sorte minha, a enfermeira Raquel tinha me adicionado no Facebook, depois de termos nos conhecido num curso com a parteira Naoli Vinaver. E assim marquei com ela meu pré-natal na casa de parto do Sofia.

Antes da consulta, porém, tive sangramentos. Na primeira gravidez, o sangramento era aviso de que um aborto estava acontecendo. Na segunda, assim que começou um sangramento, a médica receitou progesterona para, caso o problema fosse com o corpo lúteo, segurar o feto. Nesta gravidez, optei em partir do pressuposto que meu corpo estava funcionando bem. [Para quem estava lá, foi na semana que aconteceu a audiência pública na ALMG sobre violência obstétrica.] Foi o primeiro exercício de confiança, não tão fácil para quem já passou por um aborto...

Combinei de trabalhar em casa, para evitar saculejos do transporte coletivo. [Aliás, comparar as estatísticas de acidentes em trânsito com as de ruptura uterina me ajudaram muito a perceber como os números são usados para nos amedrontar.] Após uma semana em casa, precisava de uma definição, se tiraria licença, se voltaria a ir ao trabalho. Foi quando decidi fazer um US que acusou placenta prévia. Era meu segundo (embutido no primeiro) exercício de confiança. Nesse momento, encarei o meu medo de não poder parir: faria o que estivesse ao meu alcance para ter o parto que desejava e entregaria ao acaso e à história o que não fosse possível.

Mas queria restringir a atuação do acaso. E por via das dúvidas, deixei meu ceticismo de lado e fiz um exercício de reprogramação mental: Pensei: tinha medo de não dilatar no parto da Beatriz e isso aconteceu. Tinha medo de placenta prévia e isso aconteceu. A partir de agora, reprogramo minha mente. E num dia, deitada na rede em casa, pensei: minha placenta subiu. E desencanei.

Só pude confirmar que a placenta estava em seu devido lugar no US morfológico, pois tinha decidido não fazer US a torto e a direito. Tudo perfeito no US. Placenta no lugar e nada mais com que me preocupar. Até que onze dias depois, estava eu no pré-natal e o coraçãozinho do filhote apresenta arritmia à ausculta. Com a idade gestacional que estava, nada a se fazer, nada com que se preocupar, mas tranquilize-se com uma informação dessa! Mais um mês exercitando a confiança e dando tempo para o coração amadurecer, antes de escarafunchar o mundo para saber o que deveria fazer caso a arritmia continuasse... A única pesquisa que fiz foi nos arquivos do grupo partonosso e vi uma resposta do Ric Jones à Jobis, dizendo que se ela já tivesse sido picada pela insegurança que fizesse o eletrocardiograma, algo assim. Parei de pesquisar. Por essa época, adicionei o Ric no facebook e comentei com ele sobre a arritimia ao que ele respondeu que provavelmente não era nada, uma imaturidade, talvez. E quando fiz referência à gravidez ser um exercício de confiança, ele respondeu: o parto acontece entre as orelhas.

Durante a gravidez, concentrei a psicoterapia que já fazia em trabalhar meus medos, feridas, cicatrizes, leituras e decisões relacionadas a gestação/parto. As aulas de kundalini yoga eram verdadeiros retiros que me ensinaram a respirar melhor e a meditar por meio da respiração. E por fim, os cuidados e ambiente da casa de terapias integrativas do Sofia que frequentei precocemente (a partir de 35 semanas devido a insônias que começaram às 32 semanas de gestação) foram essenciais na preparação para viver o parto.

Paralelamente marquei reunião com a equipe que atende em casa. Como o pré-requisito para ser atendida em casa é estar a termo e sem intercorrências, certezas que só temos ao final da gravidez, continuei o pré-natal no Sofia e ficamos de nos encontrar mais próximo da data provável.

Aborto, cesárea e parto: a vida não por acaso e o reatar com as origens
Para resumir essa seção, digo que os processos físicos da maternidade foram acompanhados (e algumas vezes guiados) por profundos processos emocionais, psicológicos, relacionais, sexuais, existenciais. Conto aqui um deles que foi fundamental: a experiência de crise e reconciliação com minha própria mãe e com minha própria concepção.

A quarta-feira que antecedeu ao parto teve encontro Ishtar. O tema foi imprints prenatais e foi abordado que, ao contrário do que se costuma valorizar (apenas a razão e a consciência e, em consequência, o indivíduo adulto), somos marcados por impressões desde as primeiras semanas de vida e quanto menor o organismo, maior o impacto que sofre. Essa reflexão me remeteu à minha história, à minha concepção. Nunca senti, conscientemente, qualquer rejeição por parte da minha mãe. Lembro-me de escutar, sem dar bola, ela dizer que tinha medo de eu ter sentido algo por ela não ter ficado feliz quando descobriu que estava grávida de mim, quando minha irmã ainda tinha meses de vida (mais outras 2 filhas, uma delas sua sobrinha de sangue, minha mãe é uma das filhas mais velhas de uma família que perdeu o chão depois que o pai sofreu acidente e ficou acamado). Eu não sentia nada disso. Ao contrário, cresci com a sensação de que meus pais se orgulhavam de mim, apesar de não ter sido planejada.

Quando completei 1 ano de casada, engravidei sem planejar. Vim de Ribeirão Preto, onde morávamos, a BH com poucas semanas de gestação realizar exames admissionais para o novo trabalho. Hospedei-me na casa da minha irmã, mas numa tarde fui tirar uma soneca na casa dos meus pais. Havia uma situação familiar delicada e por causa dela minha mãe pediu-me que eu não ficasse lá. Entendi seu pedido, dei-lhe um beijo de despedida, mas aquilo doeu e repercutiu em mim de forma desproporcional à situação. Senti-me órfã. Ecoou em mim a rejeição. Talvez aquela gravidez não planejada tenha me aproximado da minha própria concepção. Já havia me aproximado dessa experiência na vida religiosa: estudava filosofia e o Dasein, 'ser-aí', esse ser jogado no mundo, esse ser para a angustia e para a morte teorizado por Heidegger, encontrou em mim espaço para esse eco de ser fruto do acaso. Tendo esse horizonte, deparei-me num momento de meditação com a citação bíblica ‘com amor eterno te amei’ e desaguei num choro compulsivo sem conseguir alcançar porque tudo aquilo tocava tão fundo. Minha vida derivava do amor. E talvez acaso, deus e amor tivessem mais a ver do que eu imaginava até então.

Semanas depois eu descobria o aborto. A vida se ia. Depois disso decidi que não queria filhos tão cedo. Até que num quase acidente de estrada, a única coisa que pensei foi: não tive filhos. E resolvi que não queria adiar mais. A gravidez veio, então, de forma planejada e querida, mas insegura. Engravidei cerca de um ano depois da primeira vez. Quando me vi grávida, percebi que também precisava rever a relação com minha mãe que havia esfriado depois daquele episódio. Voltei para a terapia, impulsionada pela certeza de que as situações que não resolvemos, acabam retornando de alguma forma na configuração familiar, bem ao estilo da tragédia grega.

Meu desejo era afastar-me dela e assumir a orfandade, mas sabia que posteriormente me arrependeria disso. Então comecei a tratar uma ferida que me parecia impossível de curar. Era como iniciar um tratamento de saúde a um doente desenganado. O tratamento, no entanto, teve êxito e, mesmo sentindo a dor das feridas, voltei a sentir carinho por minha mãe.

Minha segunda gestação, a da Beatriz, corria bem. A única intercorrência, se assim se pode dizer, foi um sangramento no início da gestação. Mas essa foi a brecha para que o fantasma do aborto instalasse em mim uma insegurança que estaria na base do desfecho. Apesar de sentir muito apoio da GO que fez minha curetagem, ter feito o procedimento no mesmo dia que descobri o aborto me despertou a desconfiança. Juntava-se a isso o fato da minha irmã ter tido uma cesárea com ela. Com as informações que encontrei na internet, no site ‘Amigas do Parto’, tomei coragem de ter uma conversa com ela em que ela mesma disse que não acompanharia um parto naqueles moldes (parto verticalizado).

A fidelidade que lhe dediquei por ter me atendido com urgência quando me sentia desamparada, no dia que eu chegava de mudança em Belo Horizonte, foi difícil de ser superada. Demorei 2 meses para ter coragem de mudar de médico. Quando procurei o novo GO estava com sete meses de gravidez. Ele era atencioso e incrivelmente acessível. Senti muita confiança e relaxei. Era com ele que minha filha iria nascer.

A preocupação começou a ressurgir quando passei de 40 semanas e eu sabia que ele esperaria somente até 41 semanas. Para quem demorou 2 meses para mudar de médico, faltava tempo e coragem para uma nova mudança de última hora. Como se pode ler no curto relato do nascimento da Beatriz, ela nasceu de cesárea (intraparto?).

Era inacreditável que toda a minha busca pelo parto normal não tinha sido suficiente e cheguei a ficar tão desacreditada que lembro de pensar por um momento: não quero mais pensar nisso, o próximo será cesárea e pronto. Mas aos poucos fui revendo o caminho feito e percebendo as questões que me deixaram vulnerável à epidemia de cesárea: a insegurança na gravidez evidente pelo meu modo São Tomé de gestação, por exemplo, ver (US) para crer que estava tudo bem; a confiança exagerada no profissional (ao estilo: ele falou, eu obedeço) e a falta de empoderamento que se traduz em não assumir a responsabilidade no processo gestação/parto.

Entre as decisões para uma experiência diferente figurava uma opção simples: a de não avisar ninguém quando o trabalho de parto começasse e muito menos que planejávamos um parto domiciliar. O objetivo era evitar ansiedades e embates desnecessários. No entanto, numa das meditações na aula de kundalini yoga, vislumbrei a possibilidade de minha mãe estar presente. Durante o trabalho de parto da Beatriz, ela tinha vindo me ver antes que eu saísse para a maternidade, mas não estava conectada com o momento, por isso não gostei de sua presença e comentários. Ao mesmo tempo, já havia experimentado em outras situações difíceis como sua presença tinha sido consoladora. Comentando isso na terapia, foi-me sugerido conversar com ela, enfatizando a força que sua presença tinha. Resolvi, então, conversar com ela e envolvê-la na preparação para o parto do João. Falei de mim, dos meus sentimentos, da importância e força que ela tinha, dei textos para que lesse e levei-a em alguns encontros do Ishtar.

Continua amanhã!!!!

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