27/12/2013

Trintanos

Inspirada pelo texto do Bia, resolvi escrever um também, em homenagem aos meus trinta anos.

Com cinco, lia turma da Mônica. Aprendi a ler.
Detestava ir pra escola, pra quê?

Com dez, lia Fernando Sabino que meu irmão me emprestou.
Já era tia, sabia trocar fralda e amava um serzinho de andar bêbado e cachinhos e bochechas gostosas.
Gostava de brincar de escolinha, passar dever no quadro, apagar.
Foi o presente que mais gostei na minha infância: um quadro-negro e uma caixinha com giz e apagador, dados sem motivo, num belo dia que minha mãe me buscou na escola e ele estava lá, no banco de trás do carro.

Com quinze já tinha minhas melhores amigas, são as mesmas até hoje, com umas 3 exceções.
Excessos e contos de mil e uma noites.
Ouvíamos muito rock e a internet surgia. Bom demais!
All Star e saia hippie, mil truques pro cabelo ficar bonito.

Com vinte já namorava, farreava ainda muito, experimentava a liberdade.
Morar sozinha, metrópole, praia, ônibus 24 horas, que maravilha!
Já podia viajar no ano novo, acampamentos, leituras de esquerda, engajamento.

Com vinte e cinco, envelheci.
Sofri por amor.
Descobri que o mundo é duro.
Diariamente sentia o cheiro do hospício, do presídio, da miséria.
Do esgoto da favela.
Da lindeza da loucura.
Trabalhar muito, dançar mais ainda.
Perdi um grande amigo.
Vi a praia mais linda do mundo.
A vida mudou.
Somos tão frágeis...diante do mar, diante da morte.

Com trinta rejuvenesci.
Quero viver muito, ver meu filho crescer.
Estar com ele nos marcos de cinco, dez, quinze, vinte, trinta anos, o quanto der.
Cuido do que como, do que bebo, do que falo.
Do que penso, ainda não consigo.
Procuro falar a metade, ouvir o dobro.
Involuntariamente, me preocupo o triplo.
Com a cidade, com o futuro, com o dinheiro, com a violência.
Com a assistência à saúde.
Com o que nos encarcera na ignorância de nosso corpo, de nossa potência.
Temo a morte dos que amo.
Valorizo e amo minha mãe a cada dia mais.
Me tornei mãe.
Realizo um sonho.
Amo.
Cada dia mais.

Vem 2014, sopro de vida para todos nós!

18/12/2013

A 10ª Semana ou As mudanças



As mudanças começaram!!! E de um dia para o outro, muito de repente.
Já vinha notando os seios um pouco inchadinhos, como na TPM. Mas de frente para o espelho, notei os mamilos bem mais escuros. Que legal!!! Até pensei que era coisa da minha cabeça, mas o marido confirmou (e minha mãe também na semana seguinte - grávida e exibida rs!). Percebi também que aquelas veias dos seios ficaram mais aparentes, percebo aqueles traços esverdeados bem fortes dos vasos. Muito interessante!
Essas mudanças corporais trouxeram uma reflexão bem forte...o corpo se prepara, todinho, para os processos fisiológicos. Essas mudanças nos seios favorecerão a amamentação. Pra quem nunca leu a respeito, o recém-nascido enxerga pouco, apenas vultos, e o mamilo mais escuro o orienta na hora de abocanhar o seio. Poxa, porque nos esforçamos tanto em negar o que nos é fisiológico? Porque se torna tão difícil amamentar? Vejo tantas inseguranças nas mães em relação ao peso do recém-nascido, curvas, padrões estatísticos que temos que seguir...Sei lá, fiquei pensando que nosso corpo vai fazendo tudo direitinho, a gente é que atrapalha ele!!! A falta de apoio familiar, o estímulo da indústria, o desespero, o cansaço, a sobrecarga da mulher. Não são poucos os entraves e os motivos para desistir da amamentação e longe de mim censurar quem não amamenta, até porque não sei como será comigo, apesar de desejar muito amamentar. Acho que, como em relação ao parto, temos que nos informar muito, conversar com os familiares, prepará-los e nos preparar também para dores e desconfortos, buscar profissionais que nos orientem bem e nos cercar de argumentos para os críticos de plantão, para que o aleitamento materno seja minimamente viável. Não adianta achar que é "natural" e pronto. Finalizo o assunto com a dica do excelente blog: Mamadeira Nunca Mais.
Voltando! No final desta semana, comemorei meu aniversário com a família. Não desejava fazer festa, estava introspectiva e, ao contrário de todos os anos, quis apenas almoçar com meus pais e irmãos. Foi uma delícia. Vi um dos meus irmãos que eu não via desde abril, foi bom demais. Ganhei lindos presentes das minhas irmãs, foi uma delícia, bem como eu queria. Pouca coisa, muito afeto.
Teve o encerramento de uma formação que faço para trabalhar com gestante, onde minha futura parteira é minha professora. Foi bem bonito este fechamento de ciclo também. Entrei no curso tateando o assunto, desejosa de engravidar no final do ano. Terminei já como doula, tendo acompanhado alguns partos na maternidade pública, com duas gestantes para acompanhar no início do ano que vem, e eu mesma uma gestante. Tudo tão diferente!
Fica a sensação de que cada semana é uma mudança, uma novidade...

16/12/2013

Planejado?

Pois é...comecei a falar no último texto sobre os palpiteiros de plantão.
Sinceramente, os palpites alheios não me incomodam.
Na família, entendo como demonstração de carinho e preocupação, mesmo que muitas vezes eu tenha que fazer aquela cara de paisagem básica (geralmente sobre parto, amamentação, etc.). Mas acho que uma gestação é algo que mexe com muitas lembranças e opiniões dos outros e é difícil a pessoa guardar certas coisas para si ao invés de despejar na primeira gestante que encontra. Quando concordo com o comentário, me manifesto. Quando discordo, costumo calar ou pontuar delicadamente algumas coisas...outras eu simplesmente ignoro.
Os estranhos que vem palpitar eu ignoro solenemente sem peso na consciência. Sabe aquele: "ãrram, tá"? Uso sempre, sem medo de ser feliz! Não estou nem aí, mesmo, silencio educadamente! Fila preferencial é o local privilegiado para isso...sempre que falamos: "sou gestante", pronto! Lá vem a enxurrada de palpites e perguntas!!!
Agora, duas coisas me surpreenderam desde que venho lentamente contando da gravidez. A primeira é que logo depois dos "parabéns", vem a pergunta: "já sabe se é menino ou menina?". Eu realmente não imaginei que seria tanta curiosidade assim sobre este assunto! Antes de engravidar, eu e meu marido havíamos combinado de não sabermos o sexo do bebê antes do nascimento. Mas foi só eu engravidar pra mudar de ideia!!! Marido ficou tristinho, mas eu realmente estou muito curiosa e querendo saber para poder organizar melhor as coisas...nome, roupas, etc. Não que eu vá fazer uma ultrassonografia por mês, de jeito algum. Mas quando der para ver, desejo saber. Mas a ansiedade alheia a este respeito me pegou realmente de surpresa! Não pensei que fosse tanta assim!
A segunda pergunta que mais tenho ouvido quando conto que estou grávida é: "foi planejado?". Sério, esta pergunta eu não consigo entender.
Para início de conversa, acho esta informação extremamente íntima para o casal. Se o casal está planejando, pode decidir comentar com alguns amigos mas pode também querer manter reservas sobre a questão. Já temos tantas ansiedades em relação a quanto tempo vai demorar para engravidar, se conseguiremos ou não, tantas cobranças internas, que o mais comum é o casal não comentar com ninguém - ao menos os casais que eu conheço. Sempre que alguém nos perguntava quando iríamos ter filhos, respondíamos: é um projeto para 2014. Não comentamos para quase ninguém que estávamos tentando.
Por outro lado, se o bebê não foi planejado, o que isso importa? Faz realmente alguma diferença para alguém, fora o casal? Alguns casais se desesperam logo que recebem a notícia, mas com o tempo se alegram com a ideia e quando chegam a contar para os familiares e amigos, é porque decidiram levar a gravidez adiante e querem dividir a novidade. Por que lembrá-los deste período que foi descobrir uma gestação não planejada? Vai acrescentar o quê na experiência do casal ou na vida de quem quer saber?
Outros casais não planejaram e recebem a notícia com imensa alegria. Tem também os "sem querer querendo", casais que não planejam ter filhos agora, mas também não estão lá evitando muito. Tem mulheres em idade fértil que tem uma vida sexual ativa e engravidam de algum homem. Tem homens em idade fértil que tem uma vida sexual ativa e engravidam alguma mulher. Há toda uma infinidade de matizes entre as respostas foi planejado ou não foi planejado...que diferença faz?
Os familiares e amigos íntimos certamente sabem se aquela gravidez foi ou não planejada. Os que não sabem, é porque não tem que saber!
O que mais me aborrece nessa pergunta é o machismo e moralismo implícitos. Quando alguma mulher admite: não planejamos a gravidez ou não planejei a gravidez, o mais comum é que ELA seja condenada por isso, nunca o homem. E lá vem mais uma enxurrada de perguntas: mas por que não tomou pílula? Por que não evitou? Engravidou por que quis, fala a verdade? Se o relacionamento não pressupõe que o casal more junto ou seja casado, lá vem mais julgamento ainda! Engravidou para prender o cara, para conseguir pensão, porque já está passando da idade e todos os mais variados julgamentos sexistas, machistas, moralistas e escrotos que existem.
Eu não fui uma filha planejada. Meu marido também não. Crescemos ouvindo todo o tipo de piadinhas, como "filhos da pílula" e por aí vai. Meus pais tinham quase 20 anos de casados e 5 filhos quando eu nasci. E minha mãe sempre ouviu todo o tipo de censura possível, pois teve 6 filhos. Minha sogra ouviu muitos julgamentos por ter tido 3 filhos em um espaço curto de tempo, enquanto estava ainda na faculdade. Tivemos problemas e felicidades como qualquer outra criança, fomos amados, educados, nossos pais erraram e acertaram como todos os outros, independente do planejamento familiar!
Talvez por essa razão eu abomine este tipo de comentário. Acho invasivo e preconceituoso. Me vem à cabeça mil respostinhas atrevidas e desagradáveis quando a ouço...como: "não foi planejado, não, inclusive doaremos para adoção assim que nascer"...e por aí vai.
Mas obviamente, sempre que vou responder, dou um sorrisinho amarelo e digo: "foi sim, estávamos tentando" e me solidarizo com todas as mulheres que não planejaram seus filhos, que não são casadas, que não são monogâmicas, que não são heterossexuais e que não tem uma resposta tão agradável aos ouvidos dos questionadores de plantão sobre sua vida sexual e reprodutiva.
Fico pasma de haver tanta modernidade e liberdade proclamada por aí e ainda se afirmarem tantas caretices, tantas patrulhas dos corpos e vidas alheias por aí!

12/12/2013

A 9ª semana ou A divulgação



A 9ª semana foi muito serena!
O fato de termos visto que está tudo bem com a pessoinha na ultra nos deixou muito tranquilos e radiantes.
Após muitos protestos dos nossos pais, deixamos que eles divulgassem a notícia para a família, pois vimos que seria impossível aguardar as 12 semanas.
A crença que está tudo bem, o otimismo e o desejo de não alimentar maiores temores contribuíram para liberarmos geral e contarmos para mais pessoas. Até então, só os íntimos que estavam sabendo!
Nossa família é imensa, temos dezenas de tios e centenas de primos e a notícia começou a correr!!!!
Contamos também em nossos trabalhos, recebemos tanto carinho que eu nem imaginei que seria tão legal! Muitas alegrias de todos os lados, foi realmente bem bom.
Comecei a sentir a barriga um pouquinho mais dura, algumas calças de cintura alta começaram a apertar.
Os enjoos diminuíram bastante e se reduziram somente à hora de acordar.
Alguns dias acordei com fome, outros um pouco enjoada, mas a sensação de bem-estar passou a ser mais presente do que o oposto.
Uma delícia!
Me percebi um pouquinho mais emotiva, como uma leve TPM, mas só em relação ao choro de emoção mesmo...vendo filmes, propagandas, lendo textos. Nada de irritabilidade como algumas mulheres comentam.
Entretanto, a notícia se espalhando e começam a chegar as histórias, os comentários, as opiniões e os palpites.
Soube que há um bottom inglês, distribuído pelo pessoal do Hypnobirthing, que diz: "Somente histórias de nascimentos felizes". Busquei na internet e ele realmente existe, é esse aqui ó:

Esse bottom é realmente bem útil!!!

10/12/2013

A 8a semana ou O Encontro



A semana do encontro! A semana tão esperada!
Voltei a trabalhar, bastante lenta de manhã e muito bem de tarde. Gosto do meu trabalho, me exige pouco, é flexível, com pessoas bacanas. Foi bom voltar!
A semana se arrastou, pois na 6a feira teria a primeira ultrassonografia.
Até que o dia chegou! Fomos eu e o marido, aquele nervosismo. Nunca havia feito ultra antes na minha vida, não sabia como era, toda nervosa.
A médica foi bem carinhosa, gentil. E quando introduziu a sonda, já apareceu na televisão (uma televisão enorme na parede), aquele formatinho, aquela cabecinha e o corpinho. Nem teve suspense, apareceu na hora.
Que alegria! Indescritível! Ficamos os dois boquiabertos, sem acreditar que era verdade mesmo, que o bebezinho estava ali.
A médica só elogiou, falou que estava super bem implantado, colocou o coraçãozinho para ouvirmos, mostrou ele pulsando. Muita emoção. Todos falam, mas só vivendo mesmo pra ter noção da beleza do momento.
Achei que eu ia chorar, já que me emociono à toa. Mas eu fiquei mais chocada mesmo, nem sei explicar. Achei tão grandioso, tão bonito! Como pode duas células, com metade de componente genético em cada uma, associadas ao amor, gerar isso? Não associadas somente ao amor romântico, mas ao amor que é desejo, que é vontade de estar junto, de compartilhar, que é disponibilidade, que é construção, admiração. Como pode produzir outra pessoinha assim?
Vi minha pessoinha. A pessoinha que fizemos. 2 centímetros. 176 batimentos cardíacos por minuto. De cabecinha pra baixo. Dentro de mim. Senti uma grandiosidade tão grande que não consegui chorar. Foi avassalador demais, não consegui nem falar nada.
Fomos almoçar e havia muitos adolescentes saindo da escola, indo para o mesmo restaurante que a gente. Barulhentos, aquela coisa chata de adolescente. Eu só olhava pra eles com uma ternura imensa...pensava: eles tiveram 2 cm um dia, são amados todo esse tanto que amo meu filhotinho agora. Sério, parecia que eu tinha usado alguma droga!!!!
Foi lindo demais! Gabriel filmou a parte final da ultra, depois que minimamente nos recuperamos do choque inicial e conseguimos clicar em botões do celular pra filmar - no início não conseguimos, os dois atrapalhados.
E sim, é um único feto, nada de gêmeos! E em dezembro teremos outro encontro. Decidimos, junto com a Enfermeira Obstetra, fazer a ultrassonografia de Translucência Nucal. Não é uma ultra super importante porque só traz estatísticas, não diz com certeza se tem ou não alguma síndrome. Mas achamos bom um novo encontro, para as opções de parto que fizemos, para irmos construindo a certeza de que está tudo bem.
Pra fechar a semana, tivemos um casamento e fiquei pasma de ver como meu corpo está em outro ritmo. Fiquei cansada de repente, precisava ir embora...muito diferente. Sinto que o corpo está sintonizado com a serenidade, com o silêncio, com o repouso, com a lentidão. Festa, barulho, música alta, não estava combinando, apesar da festa ter sido maravilhosa, com companhias incríveis, conversas animadas.
Em breve farei aniversário e está difícil conciliar esta sintonia com celebração de alguma espécie...

03/12/2013

Um relato de parto incrível - para espantar o medo (parte II)

Continuando!!!

O Parto
João nasceu dia 9 de março de 2013. Durante o último mês de gestação eu estava trabalhando no turno matutino, mas no dia seguinte (quinta-feira, 7 de março) ao encontro Ishtar sobre imprints pré-natais , estava marcado para eu ir à casa de terapias integrativas do Sofia Feldman, pela manhã. Eu frequentava a casa desde a trigésima quinta semana quando apareceu a insônia e, depois, um travamento na coluna.

Sentada no jardim com a enfermeira Lilia, eu relatava serenamente a recente associação que eu fazia do meu percurso materno com a relação com minha mãe e como sentia que o parto que se aproximava seria um momento importante nesse ciclo.

Cheguei àquele momento da espera que não tinha mais vontade de ler nada sobre o assunto ao mesmo tempo que nada mais me interessava. Não pretendia entrar de licença antes do parto, mas naquela tarde concluí que seria o melhor. Era hora de recolher-me. Ficaria no máximo uma semana a mais no trabalho.

Eu estava na trigésima oitava semana e pensava que João ainda demoraria um pouco para dar o ar da graça, pois não sentia nenhum sinal de que estava por vir e Beatriz, minha filha mais velha, tinha nascido perto das 41 semanas. Mas às 3 horas daquela madrugada (8 de março)senti a primeira contração. Levantei excitada. Perdi o sono. Fui à cozinha, comi algo mais um maracujá para tentar voltar a dormir, pensando ‘se for hoje, preciso poupar forças e descansar enquanto posso’. Consegui deitar e tirar cochilos. As contrações eram espaçadas (não as contei)e para acalmar-me balançava a pélvis, deitada. [A leitura do texto ‘Pariremos con placer’ de Casilda Rodrigañez, foi essencial, despertou-me para uma relação diferente com minha sexualidade e especificamente com meu útero, seu papel no equilíbrio psíquico e corporal e no alívio das tensões. Mais que recomendo a leitura.]

Às 6 da manhã da sexta-feira, 8 de março, meu marido, que dormia no quarto da minha filha com ela, levanta para ir à aula. Comento-lhe das contrações. Ele fica eufórico ao mesmo tempo que tenta se controlar e acreditar que talvez não seja o começo do trabalho de parto. A excitação dele me perturba. Sinto medo que sua adrenalina e ansiedade me atrapalhem (reminiscências da experiência anterior). Digo-lhe que pode ir à aula, pois as contrações ainda são leves e espaçadas e não sabemos se o trabalho de parto vai engrenar. Peço que infle a piscina antes de sair.

Diferente do trabalho de parto anterior em que as contrações se concentravam nas costas, dessa vez se concentram no pé da barriga. Bolsa térmica e a bola de pilates são suficientes para dar alívio. Sento na bola de frente para o computador e abro o Facebook. Não tenho vontade de conversar e graças à rede realmente nem preciso ligar para ninguém, pois estão conectados: Fred, meu colega de trabalho a quem aviso que não irei trabalhar, dizendo que o sulfato ferroso tinha me deixado indisposta e aproveitando para pedir um back up para lhe ajudar na oficina que daríamos na próxima segunda-feira; Polly, minha doula, que me sugeriu deixar a equipe de EOs de sobreaviso e se ofereceu para dar um pulinho aqui na hora do almoço; a EO Miriam que me aconselhou seguir ‘vida normal’ enquanto as contrações estivessem suportáveis; Eliana, amiga de barriga e de busca pelo VBAC a quem contei que estava com algumas contrações, ao que ela respondeu: ‘que emoção’. Eu não estava nem um pouco emocionada. Estava entrando naquele estado de indisposição corporal em que nada de fora importa. Para quem contei, contei, depois não falei com mais ninguém... Aliás, Kenia, amiga de trabalho com quem costumo almoçar, me ligou perto da hora do almoço para saber se eu ia ao trabalho. Atendi, disse que não, e quando ela me disse que tentaria ir ao chá de bênçãos no domingo, eu respondi que não sabia se até lá João já teria nascido.

Comecei, então, a organizar algumas coisinhas em casa, como fazer gelatina e suspender o cortinado da nossa cama. Estava sozinha com minha filha de 2 anos e meio. Durante as contrações, agachava para aliviar a dor. No meio da manhã, ela pediu para mamar novamente. Sentei-a no meu colo, mas durante as contrações queria agachar e quando pedia para ela descer do colo, ela começou a recusar e chorar. Então me dei conta de que não conseguiria tê-la por perto como tinha idealizado no plano de parto. Levei-a, em seguida, à casa da minha mãe, pedindo que ficasse com ela, pois estava com algumas contrações.

Deixei-a lá e voltei para a casa. Consegui tomar água de coco e deitar-me um pouco, usando a bolsa térmica. Voltei para a bola e minha mãe veio me ver. Vocalizava entre as contrações, gutural. E sentia que estava forçando a garganta.

Marcelo me ligou e eu disse que as contrações já estavam bem doloridas. Ele chegou na hora do almoço. Fez um ‘macarrão de doente’ (com um pouco de água, óleo e sal) que consegui comer um pouco. Nas próximas 12 horas só conseguiria comer minicolheradas de gelatina e tomar água.

A essa altura já estava doida que chegasse a Polly. Precisava de um olhar de fora. Cadê ela? Qual seu horário de almoço? Ela deve ter chegado umas 13h. Eu ainda conversava entre as contrações. Perguntei-lhe como deveria respirar, de que forma a vocalização podia ajudar mais. Antes que fosse embora, chamou a Inessa, que me doulou a tarde toda. Marcelo saiu para abastecer a dispensa que estava vazia e quando voltou ocupou-se da logística para encher e aquecer a piscina. Vez ou outra, ele se revezava com a Inessa. Eu me abstraí totalmente de toda a logística necessária para que eu vivesse aquilo ali.

Cada contração era um desafio. Era um caminho que, apesar de avançar, sentia que eu não ganhava know-how. Conto em menos de duas mãos as vezes que lidei de forma tranquila com as contrações, essas foram ou porque vieram suaves ou porque por acertar a soma da respiração, vocalização, posição tive alívio de forma a vivê-las com tranquilidade. Numa mesma contração, eu emitia sons diferentes (ahhhhhhh, uuuuuuu, humm) testando qual deles aliviava aquela contração em específico. Talvez aquela onda me pedia sons diferentes durante o seu movimento até chegar ao pico e começar a ceder. E assim, ela se ia, sem que eu tivesse conquistado a chave para decifrá-la. Se me esquecia de respirar, porém, parecia um cavalo indômito sem rumo. Por isso, me surpreendi muito quando escutei, mais tarde, a Miriam comentando com alguém que eu estava lidando muito bem com as contrações!

Até meados da tarde, tinha dúvidas se daria conta daquele trabalho de parto. Vinha-me o pensamento de entregar os pontos. Temia não dar conta. Putz, precisarei de outra cesárea.Nesse momento da tarde me dei conta de que daria conta de passar pelas contrações. O momento dessa mudança me faz compreender muito bem tantas mulheres que, estando nesse processo, desesperam. Passei, então, a exorcizar o medo, urrando durante as contrações. Estava na cama em quatro apoios, com o tronco sobre uma montanha de travesseiros. Lembro-me da Inessa comentar: ‘essa foi forte, né?’. Não pude responder, mas na verdade, sentia-a igual, eu é que sentia-me mais forte para enfrentá-la.

Enfrentá-la significava resignar-me àquele arrebatamento de dor. Ou talvez o contrário de ser arrebatada, ser chamada à terra. Aliás, durante todo o trabalho de parto sentia muita pressão no ânus e pensava que me faltava evacuar mais vezes, além da que tinha feito pela manhã. A EO Odete falava que podia ser a pressão do bebê. Se tive um fantasma persistente durante o trabalho de parto era esse cocô que eu achava que podia estar emperrando o processo!

Durante a tarde, mudei bastante de posição:
· Sentei na rede e entre as contrações, deitava para trás, apoiada num travesseiro. Era muito confortável e dava para descansar. Mas na hora da contração precisava puxar a rede para inclinar para frente, apertava a rede com as mãos (substituía as apertadas de mãos de outras posições), e precisava receber massagens (como em todas as posições que fiquei). O movimento de ter que levantar as costas me era incômodo porque estava com a pélvis extremamente dolorida (pelo mesmo motivo, não consegui ficar reclinada para trás na piscina, apenas sentada). Também sentia muita pressão embaixo. Sugeri abrir um buraco na rede, como fazem os Tapirapé, mas o rasgo foi aumentando e não me segurava mais (haha, os Tapirapé não cortam a rede, desfazem a trama sob onde se senta).

· Outra posição que gostei muito foi sentar na bola e me dependurar numa cangapresa à grade da janela. Sempre respirando e recebendo massagens na lombar, em todas as posições.

· Também usei bastante o chuveiro, sentada sobre a bola. A água aliviava bastante, mas a localização do ralo me impedia de ficar de costas para receber massagens, sem que eu inundasse o banheiro.

Sentada na rede, vi que a tarde se ia e lembrei que já estava no horário da reunião com a equipe de enfermeiras que atendem parto em casa. Mas elas não costumam ser muito pontuais. Inessa perguntou se queria que ligasse para Miriam. Eu disse que sim. Então, ela volta com a informação de que Miriam já estava no anel rodoviário, que já estava chegando, questão de 40 min. Quarenta minutos! Parecia-me uma eternidade!

Tinha vontade de entrar na piscina, mas tinha dúvida se era um bom momento. Eu achava que quando chegassem, as enfermeiras iam querer fazer uma avaliação do andamento do trabalho de parto, através de um toque. Eu não tinha ideia se meu trabalho de parto ia demorar ou não. Voltei para o chuveiro. Marcelo me disse que a piscina já estava morninha. Fui lá, pus um pé e aquilo era quase gelado para mim. Voltei para o chuveiro. Percebi que intensificavam as estratégias para conseguir aquecer a piscina.

Pelo prontuário, vi que a Miriam chegou às 19h30. Eu tinha acabado de entrar na piscina e não pretendia sair de lá tão cedo. Para meu alívio, ela disse que não fariam exame de toque, a não ser a meu pedido. Acenei com a cabeça, mostrando que tinha entendido.

Por dentro, fiquei pensando se faria ou não. Desde as últimas semanas da gestação, me vinha a curiosidade: será que já tenho alguma dilatação? Naquela altura do tp pensei o que já vinha pensando: se tiver no início da dilatação, vou desesperar; se tiver adiantada, vou achar que não vai demorar, mas tp não é algo linear. Resolvi que a informação mais atrapalharia que ajudaria.

Olhando para trás, aquela piscina era o ambiente que descrevi no prólogo do meu plano de parto (logo abaixo). Eu era aquele mosteiro, cercado de água. Dentro da piscina, fechava os olhos e me esquecia de tudo nos intervalos das contrações. Não me apetecia qualquer conversa trivial, ou mesmo a saudação de quem ia chegando, ao mesmo tempo, tudo era um ruído distante. A água me isolava de tudo, só chegava a ajuda... Quando a contração começava a chegar, reabria os olhos para ter certeza de que não me faltaria uma mão acolhedora para eu apertar e outra para fazer massagem na lombar.

No mundo distante de fora da piscina, Miriam fazia anotações, mexia no celular, colocou músicas do Kundalini Yoga, comentou algo sobre a música e eu assenti com a cabeça. Sua interlocução comigo era suave, com comentários despretensiosos. Durante as contrações soprava meu rosto e aquilo me trazia um alívio, como se me insuflasse o ar.

A essa altura as massagens (apertando as ancas), que no começo da tarde me traziam alívio, já não serviam mais, mas eu era incapaz de explicar isso. Então eu apenas selecionava quem fazia a massagem circular na lombar sem explicar o porquê (no caso Polly e Odete). Por esse motivo berrei, chamando a Odete, enquanto eu retirava bruscamente a mão de outra pessoa.

No final das contrações, tinha vontade de fazer força, como que empurrando para baixo. Mas sentia dor no local da cicatriz da cesárea. Relatei isso a Miriam que me disse com muita tranquilidade ser normal por ser o mesmo local da contração e porque a dor não permanecia aguda no intervalo das contrações. Ao escutar isso, desencanei. Só me acompanhou até o final o fantasma do cocô, haha, que saiu no expulsivo. Depois do parto, comentando com a Miriam de como estava cismada de que meu intestino devia estar emperrando o processo, ela disse: não tem cocô que segure quando o bebê vai nascer!

Continuava dentro da piscina. Miriam perguntou se eu queria fazer xixi e me disse que tem mulher que faz dentro da banheira mesmo. Eu tentei e não consegui. Então tomei coragem para ir ao banheiro (assim aproveitava para tentar evacuar e para esticar as pernas que estavam o tempo todo dobradas na piscina). Sentada no vaso, vejo Beatriz, minha filha, que me oferecia uma amêndoa. Bonitinha! E para agradá-la digo que sim. Então ela me explica que aquela era dela e que ia buscar outra para mim, rsrsrs. Quando ela voltou, eu já não conseguia dar-lhe atenção e nem aceitar a amêndoa para ser gentil.

Do vaso onde deixei só o xixi, entrei no chuveiro. Sentada na bola, durante as contrações, fazia força, pulava na bola, soltava gases e continuava achando que precisava fazer um bom cocô. No intervalo, dormia, deitada com a cabeça no colo da Polly que havia se acomodado dentro do box sob um banquinho. Fiquei aí um bom tempo. E avisei pro Marcelo pra manter a piscina aquecida.

Estava exausta e queria esticar as pernas. Saí do chuveiro e deitei na cama. Fiquei de quatro. Lembro-me da Beatriz ao meu lado. Tinha medo que ela demandasse algo a mim que não estava aguentando nem a mim mesma. Ela não pediu nada. E alguém zelava por ela.

Mesmo sendo desconfortável durante as contrações, deitei-me para descansar. Mais do que nunca precisava de apertar uma mão e de massagens nas costas. Só a Polly estava comigo e pedi que chamasse o Marcelo. Era para fazer massagem. Quando ela se levantou, desesperei. Tinha medo que não voltasse antes da próxima contração. Disse que o gritasse mas que não saísse dali.

Voltei à piscina. Beatriz ainda estava em casa. Isso deve ter feito eu achar que ainda não estava tarde. Pelo prontuário vi que voltei à piscina umas 23h. Em seguida, ela foi embora. Duas horas depois João estaria nascendo.

Marcelo entrou na piscina. Comentou ‘que calor’ e se mexia dentro d’água. Meu baixo ventre estava tão dolorido que aquela pequena vibração da água que batia contra minha barriga era o suficiente para me incomodar. Pedi para que saísse e segurasse minha mão do lado de fora. Realmente aquela piscina tinha se tornado meu espaço vital e sagrado. Sempre que via aquelas cenas de parto com marido segurando a parturiente por trás achava o máximo. Mas minha experiência de uma pessoa que tende tanto à simbiose precisava ser diferente, sentindo bem meus próprios contornos.

Como sentia muita pressão no ânus quando me agachava durante as contrações, sentei-me de lado na piscina e percebi que a pressão diminuía. As contrações mudaram de figura. Já não doíam, apesar de continuar sentindo todo o baixo ventre dolorido.

Comecei a fazer força. Na segunda, senti um ‘ploc’ que parecia a bolsa estourando. Odete perguntou se eu queria colocar o dedo no canal. Pus e senti algo! Fiquei entusiasmada. Pensei: já está baixo! E em seguida, pensei: calma, não quer dizer que está nascendo. Não sei por que, achava que ia demorar ainda. As doulas começaram a arrumar a câmera para filmar e eu que não falava nada soltei: ainda vai demorar, gente. Mas não me fizeram caso, haha. Odete foi chamar a Miriam.

Fazia força e e sentia ardência. Pensei: vai rasgar tudo. Lembrei-me então da enfermeira Jordana (pré-natal) que disse ter pensando o mesmo e não ter tido nenhuma laceração. Então tomei coragem e soltei a força que vinha de dentro. Odete falava ‘devagar’, mas a vontade de fazer força e de ver nascendo me faziam não medir o impulso. Marcelo, que me sustentava pela mão anunciou com entusiasmo, ‘a cabecinha!’.

Deliciosa sensação ‘tatear’ por dentro aquele corpinho passando por mim. Quando saiu o topo da cabeça, eu pensei que fosse a cabeça inteira; quando saiu o ombro, pensei que fosse o tronco, quando passou o tronco, pensei que já tinha saído todo. Quando bateu o pezinho por dentro, levei um susto com aquele peixinho e gritei. Nasceu às 0h54 do dia 9 de março de 2013.

Assim como no nascimento da Beatriz, escutei as lágrimas do Marcelo antes das minhas. Parecia inacreditável: João nasceu. Sentei-me, peguei-o no colo, entregue pela Odete. Tão fofo e tranquilo. Fiquei meio sem jeito para segurá-lo, querendo mantê-lo dentro d’água para aquecê-lo. Mamou. Miriam ajudou com a pega. Já havia esquecido que aquele rostinho pequeno precisava que afastasse um pouco a parte de cima do seio para não tapar-lhe o nariz.

Ao ver que o cordão já não pulsava, preparou-o para ser cortado pelo Marcelo que o fez todo todo, até posando para a foto.

E continuamos ali. Miriam me disse então que já se passara 1 hora. Uma hora! Juro que me pareceu ser 15 minutos. Sugeriu que eu saísse da piscina para o nascimento da placenta e para avaliar o João. Apesar de continuar sentindo cólicas que me faziam balançar as pernas, tinha me esquecido que a história continuava [O nascimento é o fim da história!] e que eu tinha que sair dali em algum momento. Dei um último cheirinho no João antes de entregá-lo a ela. Cheiro i-n-e-s-q-u-e-c-í-v-e-l.

Deitei-me na minha cama. Tive uma pequena laceração no períneo. Odete me avaliou antes da saída da placenta. Pareceu-lhe que não precisava suturar. Passou-se mais uma hora até o nascimento natural na placenta. Aliás, só nasceu depois que João voltou pro meu colinho e mamou novamente. Miriam veio me avaliar e recomendou sutura para uma cicatrização mais rápida, deixando a decisão a minha escolha.

Nesse momento, senti medo que o procedimento fosse dolorido, apesar da anestesia local. Por isso, pedi a minha mãe que segurasse o João e que Marcelo ficasse ao meu lado, segurando minha mão. A sutura, no entanto, foi um momento descontraído entre ‘comadres’. Enquanto a enfermeira costurava os dois pontinhos, conversávamos sobre o que acabara de acontecer, transformando em palavras a experiência daquele nascimento silencioso (tive a visita de dois reis magos que moram no prédio que chegaram lá guiados pela movimentação e urros do expulsivo, de madrugada. Foram recebidos pela janela por algum anjo que estava na sala, mas como João ainda não tinha nascido e esqueceram os presentes, o anjo avisou-lhes que estava tudo bem, mas que ainda não era Jesus, que eles tinham ainda 9 meses para enriquecerem-se com ouro e mirra).

Quando fui levantar para tomar banho, senti que estava fraca. Comi meio sanduíche e tomei água de coco. Polly me acompanhou num banho rápido. Lá comentei com ela: tiro o chapéu para quem vive isso no hospital. Ela me ajudou a vestir-me. Estava ofegante e um pouco tonta com perda de sangue.

Fomos deitar lá pras 6 horas, quando a equipe foi embora. Cochilei 1 hora. As 7h, Odete, que dormia lá em casa, levantou-se para ir para plantão. Eu estava muito eufórica. Fui dormir mesmo só depois do meio-dia.

Ainda falta debruçar-me sobre o que essa história trouxe para minha sexualidade e para a minha individualidade. Cenas dos próximos capítulos.

PLANO DE PARTO – ROBERTA - VBAC DOMOCILIAR
(Texto escrito no encontro 'Cura do não-parto'. O cenário que me veio à mente é do filme “Primavera, verão, outono, inverno e primavera”)
Água. 57% de água. O útero é um local escuro, um lar escuro, à revelia de todas luzes da ciência. Como aquele pequeno mosteiro no meio de um lago, protegido pela água e pela respiração.
Nada nem ninguém chegam a esse lugar protegido de forma invasiva. É preciso se fazer anunciar para ser buscado nas margens. O mistério é escuro e não deve nada a quem se sente ameaçado por ele. Respiração e água protegem e trazem para dentro do lar, lentamente, os convidados.
Os agressivos chegam à margem mas escutam "não" e aprendem a esperar o tempo da paz e a colaborar para que ela seja estabelecida.
Sou água e não há defeito algum na minha imprecisão. Apenas uma intradução. Trago para perto os que ajudam a me lembrar da água e da respiração. Os que ajudam a reencontrar a centralidade e a cuidar do lar e dos que me acompanham. Os que ajudam a me mostrar, a ser-me e a superar-me.
Com a força da terra,
com a leveza da água,
com a inteligência superior da respiração.



Coisa mais linda, né! Para finalizar, o que escrevi para a Roberta, ao ler o relato:
"Querida Roberta,
Seu relato de parto teve um efeito avassalador em mim.
Ainda é difícil colocar em palavras.
Acho que é o primeiro relato que me toca realmente, profundamente, agora que estou grávida.
Li tantos relatos, tantos, antes de engravidar, que agora todos que li já gestando são meio parecidos, me soam sem novidade (sem desmerecer a lindíssima experiência contida em todos eles, por favor!).
Mas o seu não. Te digo por que:
O fantasma da cesariana me assombra. Fantasma esse que nunca me assombrou antes. É minha 1a gestação, não tenho cesárea prévia.
Mas, como você relatou, ao gestarmos atualizamos todos os traumas e tragédias de nossa história. E há muitos anos nenhuma mulher tem seu filho de parto normal em minha família. Esse é o fantasma que se atualiza em mim, agora.
Já sonhei com meu parto, no meu quarto. E esse sonho sempre me tranquilizou, pois o interpreto como uma "visão" do futuro, então sempre soube em mim que, sim, eu vou conseguir parir.
Mas agora, que realmente tem um bebezinho em meu ventre e vou ter que pari-lo em breve, não me sinto tão confiante.
Por isso seu relato foi importantíssimo.
Não mais falarei ou pensarei na possibilidade de não conseguir. Reprogramação mental, já!
Vou trazer pra mim as energias da confiança e da serenidade, inspiradas em seu lindo relato.
Agradeço de coração!
A gente ao escrever não tem dimensão da potência de nossas palavras e nos efeitos que elas produzem no outro. Os efeitos de suas palavras foram extremamente benéficos aqui."

Então é isso, minha gente! Não mais esse papo de medo de cesariana. Eu vou conseguir. Meu bebê nascerá naturalmente, onde e quando decidir, terá uma recepção amorosa, respeitosa, da mesma forma que foi concebido e está sendo gestado. Tudo conspira para isso e nada de deixar o fantasma da desconfiança nos assombrar. Ele foi abolido, espantado pelos ghost busters (alguém aí é dos anos 80???).
Bola pra frente!

02/12/2013

Um relato de parto incrível - para espantar o medo (parte I)

E aí que não sei se alguém já ouviu falar, mas existe um grupo virtual de discussão, uma lista de emails incrível chamada PartoNosso. Ela existe há anos (mais de 10), tem centenas de pessoas inscritas. O tema é óbvio, né: é uma lista nacional de apoio ao parto.

As participantes oscilam: tem hora que está repleto de mulheres prestes a parir, rola aquela expectativa, depois os relatos de parto, ou o luto pela cesariana não desejada. Depois vem nova onda de positivos e assim os assuntos se renovam, algumas participantes são ativas há anos, outras dão uma sumida quando os bebês nascem, depois voltam grávidas de novo ou porque tiveram um tempinho e ficaram com saudades. Algumas ativistas, profissionais de saúde (inclusive alguns famosos do campo), mulheres que estão começando agora suas leituras sobre parto e chegam para começar do zero, mulheres que já pariram 2, 3, 4 vezes, tentantes... o público é muito variado, desde que haja o interesse pelo tema parto. Não é uma lista só de mulheres, mas o público mais ativo é quase esmagadoramente feminino.

Participo da lista há mais de 1 ano, eu nem estava tentando engravidar nem nada, apenas soube dela e, por me interessar pelo assunto, entrei. Desde então aprendi demais, acompanhei histórias lindas, reviravoltas incríveis de dar inveja às novelas da Globo! Mulher que abandona obstetra com 41 semanas, obstetra que tenta convencer o marido da gestante que quer VBAC dos riscos desta prática, partos pelo SUS, particulares, domiciliares, em todo o Brasil, em outros países, amamentação...gente, é um mundo de histórias e um aprendizado que não dá nem pra contar!

Nesta semana que eu estava tão mobilizada com meus medos da cesariana, muito reflexiva à respeito como falei no post anterior, chegou um relato de parto simplesmente incrível. Me fez pensar muito! Pedi autorização à Roberta e ela permitiu que eu o publicasse aqui.

Compartilho com vocês no intuito de dividir um lindo relato e, principalmente, uma reflexão importantíssima sobre confiança no próprio corpo, sobre a possibilidade de que o processo de gestar e parir seja curativo e também uma excelente oportunidade de elaborar nossa história e lidar com nossos traumas, superando-os, e, acima de tudo, transformando-nos.

Como o relato é bem grande e eu gostaria de compartilhar também algumas reflexões minhas após lê-lo, dividirei em duas partes: o início hoje e o resto amanhã. Voltem pra ler o resto, viu!!! Vale a pena!

Senta que é grande, mas é lindo: o Relato de Parto da Roberta, em Belo Horizonte-MG.

A decisão pelo PD
Parto domiciliar era algo fora de cogitação durante a gravidez da Beatriz que nasceu de uma cesárea indesejada.

Conheci a Ong Bem Nascer quando estava com 38 semanas da Beatriz. E voltei a participar do grupo de forma mais frequente cerca de um ano depois. O grupo me interessava muito, mas tinha algumas dificuldades, pois associava alguns posicionamentos a posturas com tons fundamentalistas que me evocavam lembranças de alguns embates que tive na minha vida missionária. Aproximei-me novamente por meio da Eliana que já havia voltado a participar há mais tempo, agora do Ishtar.

Depois de me informar um pouco por meio do grupo presencial e virtual, de leituras e de uma conversa com a EO Miriam, tendo o prontuário em mãos, comecei a entender que grande parte das cesáreas não é fruto de fatalidade, mas de uma cultura e crença tecnocrática da saúde, de uma misoginia da fisiologia feminina, da industrialização do parto, obrigando o peculiar a se enquadrar num partograma mediano.

Entendi que confiar incondicionalmente no profissional e eximir-me da responsabilidade era uma roleta russa e que a orientação de me internar com apenas 1 cm de dilatação foi o primeiro passo para não saber nunca mais o resto do que poderia ser aquela história. Optar por ter um filho em casa não era uma decisão louca ou radical e muito menos mais arriscada quando se considera a ambiência favorável ao desenrolar do trabalho de parto, sem obrigações de tempo. E isso sem falar nas evidências científicas.

A decisão crescia em mim. Mas não tinha a mesma estatura no meu marido que, no entanto, se abriu a ela logo após participar do encontro Ishtar em fevereiro de 2012. Só engravidaríamos em junho de 2012, numa noite de São João.

A essa altura, eu já não sabia mais responder à pergunta: por que PD? A não ser com a resposta: me dê motivos para sair de casa. Aliás, a possibilidade de ir para o hospital me angustiava. Foram as contingências da gravidez, juntamente com a visita e o pré-natal no Sofia Feldman, incluindo o ambiente gostoso das terapias integrativas, que trouxeram a serenidade para cogitar um plano B, caso fosse necessário.

A gravidez: exercício da espera, da confiança, da entrega...
Antes de saber que estava grávida, havia marcado novo GO para conhecê-lo e quem sabe fazer com ele o próximo pré-natal. Aconteceu, porém, que quando chegou a data da consulta eu já me sabia grávida de 5 semanas. Cheguei com o livro ‘Parto Ativo’ debaixo dos braços. O médico me sugeriu fazer acompanhamento paralelo com EO e ao final da consulta pediu que eu vestisse a camisola para examinar-me. Fez um toque, argumentando que precisava da informação para adiantar os pedidos de exame, já que eu não fizera o BetaHCG, apenas exame de farmácia.

Foi quando eu pensei: não tem jeito, mão de médico coça para fazer exames! Se fosse para uma primeira experiência, teria ficado com esse médico, pois era bem mais humanizado. Mas eu já estava calejada. E resolvi que queria ser acompanhada por EO, pensando numa formação menos intervencionista.

Por sorte minha, a enfermeira Raquel tinha me adicionado no Facebook, depois de termos nos conhecido num curso com a parteira Naoli Vinaver. E assim marquei com ela meu pré-natal na casa de parto do Sofia.

Antes da consulta, porém, tive sangramentos. Na primeira gravidez, o sangramento era aviso de que um aborto estava acontecendo. Na segunda, assim que começou um sangramento, a médica receitou progesterona para, caso o problema fosse com o corpo lúteo, segurar o feto. Nesta gravidez, optei em partir do pressuposto que meu corpo estava funcionando bem. [Para quem estava lá, foi na semana que aconteceu a audiência pública na ALMG sobre violência obstétrica.] Foi o primeiro exercício de confiança, não tão fácil para quem já passou por um aborto...

Combinei de trabalhar em casa, para evitar saculejos do transporte coletivo. [Aliás, comparar as estatísticas de acidentes em trânsito com as de ruptura uterina me ajudaram muito a perceber como os números são usados para nos amedrontar.] Após uma semana em casa, precisava de uma definição, se tiraria licença, se voltaria a ir ao trabalho. Foi quando decidi fazer um US que acusou placenta prévia. Era meu segundo (embutido no primeiro) exercício de confiança. Nesse momento, encarei o meu medo de não poder parir: faria o que estivesse ao meu alcance para ter o parto que desejava e entregaria ao acaso e à história o que não fosse possível.

Mas queria restringir a atuação do acaso. E por via das dúvidas, deixei meu ceticismo de lado e fiz um exercício de reprogramação mental: Pensei: tinha medo de não dilatar no parto da Beatriz e isso aconteceu. Tinha medo de placenta prévia e isso aconteceu. A partir de agora, reprogramo minha mente. E num dia, deitada na rede em casa, pensei: minha placenta subiu. E desencanei.

Só pude confirmar que a placenta estava em seu devido lugar no US morfológico, pois tinha decidido não fazer US a torto e a direito. Tudo perfeito no US. Placenta no lugar e nada mais com que me preocupar. Até que onze dias depois, estava eu no pré-natal e o coraçãozinho do filhote apresenta arritmia à ausculta. Com a idade gestacional que estava, nada a se fazer, nada com que se preocupar, mas tranquilize-se com uma informação dessa! Mais um mês exercitando a confiança e dando tempo para o coração amadurecer, antes de escarafunchar o mundo para saber o que deveria fazer caso a arritmia continuasse... A única pesquisa que fiz foi nos arquivos do grupo partonosso e vi uma resposta do Ric Jones à Jobis, dizendo que se ela já tivesse sido picada pela insegurança que fizesse o eletrocardiograma, algo assim. Parei de pesquisar. Por essa época, adicionei o Ric no facebook e comentei com ele sobre a arritimia ao que ele respondeu que provavelmente não era nada, uma imaturidade, talvez. E quando fiz referência à gravidez ser um exercício de confiança, ele respondeu: o parto acontece entre as orelhas.

Durante a gravidez, concentrei a psicoterapia que já fazia em trabalhar meus medos, feridas, cicatrizes, leituras e decisões relacionadas a gestação/parto. As aulas de kundalini yoga eram verdadeiros retiros que me ensinaram a respirar melhor e a meditar por meio da respiração. E por fim, os cuidados e ambiente da casa de terapias integrativas do Sofia que frequentei precocemente (a partir de 35 semanas devido a insônias que começaram às 32 semanas de gestação) foram essenciais na preparação para viver o parto.

Paralelamente marquei reunião com a equipe que atende em casa. Como o pré-requisito para ser atendida em casa é estar a termo e sem intercorrências, certezas que só temos ao final da gravidez, continuei o pré-natal no Sofia e ficamos de nos encontrar mais próximo da data provável.

Aborto, cesárea e parto: a vida não por acaso e o reatar com as origens
Para resumir essa seção, digo que os processos físicos da maternidade foram acompanhados (e algumas vezes guiados) por profundos processos emocionais, psicológicos, relacionais, sexuais, existenciais. Conto aqui um deles que foi fundamental: a experiência de crise e reconciliação com minha própria mãe e com minha própria concepção.

A quarta-feira que antecedeu ao parto teve encontro Ishtar. O tema foi imprints prenatais e foi abordado que, ao contrário do que se costuma valorizar (apenas a razão e a consciência e, em consequência, o indivíduo adulto), somos marcados por impressões desde as primeiras semanas de vida e quanto menor o organismo, maior o impacto que sofre. Essa reflexão me remeteu à minha história, à minha concepção. Nunca senti, conscientemente, qualquer rejeição por parte da minha mãe. Lembro-me de escutar, sem dar bola, ela dizer que tinha medo de eu ter sentido algo por ela não ter ficado feliz quando descobriu que estava grávida de mim, quando minha irmã ainda tinha meses de vida (mais outras 2 filhas, uma delas sua sobrinha de sangue, minha mãe é uma das filhas mais velhas de uma família que perdeu o chão depois que o pai sofreu acidente e ficou acamado). Eu não sentia nada disso. Ao contrário, cresci com a sensação de que meus pais se orgulhavam de mim, apesar de não ter sido planejada.

Quando completei 1 ano de casada, engravidei sem planejar. Vim de Ribeirão Preto, onde morávamos, a BH com poucas semanas de gestação realizar exames admissionais para o novo trabalho. Hospedei-me na casa da minha irmã, mas numa tarde fui tirar uma soneca na casa dos meus pais. Havia uma situação familiar delicada e por causa dela minha mãe pediu-me que eu não ficasse lá. Entendi seu pedido, dei-lhe um beijo de despedida, mas aquilo doeu e repercutiu em mim de forma desproporcional à situação. Senti-me órfã. Ecoou em mim a rejeição. Talvez aquela gravidez não planejada tenha me aproximado da minha própria concepção. Já havia me aproximado dessa experiência na vida religiosa: estudava filosofia e o Dasein, 'ser-aí', esse ser jogado no mundo, esse ser para a angustia e para a morte teorizado por Heidegger, encontrou em mim espaço para esse eco de ser fruto do acaso. Tendo esse horizonte, deparei-me num momento de meditação com a citação bíblica ‘com amor eterno te amei’ e desaguei num choro compulsivo sem conseguir alcançar porque tudo aquilo tocava tão fundo. Minha vida derivava do amor. E talvez acaso, deus e amor tivessem mais a ver do que eu imaginava até então.

Semanas depois eu descobria o aborto. A vida se ia. Depois disso decidi que não queria filhos tão cedo. Até que num quase acidente de estrada, a única coisa que pensei foi: não tive filhos. E resolvi que não queria adiar mais. A gravidez veio, então, de forma planejada e querida, mas insegura. Engravidei cerca de um ano depois da primeira vez. Quando me vi grávida, percebi que também precisava rever a relação com minha mãe que havia esfriado depois daquele episódio. Voltei para a terapia, impulsionada pela certeza de que as situações que não resolvemos, acabam retornando de alguma forma na configuração familiar, bem ao estilo da tragédia grega.

Meu desejo era afastar-me dela e assumir a orfandade, mas sabia que posteriormente me arrependeria disso. Então comecei a tratar uma ferida que me parecia impossível de curar. Era como iniciar um tratamento de saúde a um doente desenganado. O tratamento, no entanto, teve êxito e, mesmo sentindo a dor das feridas, voltei a sentir carinho por minha mãe.

Minha segunda gestação, a da Beatriz, corria bem. A única intercorrência, se assim se pode dizer, foi um sangramento no início da gestação. Mas essa foi a brecha para que o fantasma do aborto instalasse em mim uma insegurança que estaria na base do desfecho. Apesar de sentir muito apoio da GO que fez minha curetagem, ter feito o procedimento no mesmo dia que descobri o aborto me despertou a desconfiança. Juntava-se a isso o fato da minha irmã ter tido uma cesárea com ela. Com as informações que encontrei na internet, no site ‘Amigas do Parto’, tomei coragem de ter uma conversa com ela em que ela mesma disse que não acompanharia um parto naqueles moldes (parto verticalizado).

A fidelidade que lhe dediquei por ter me atendido com urgência quando me sentia desamparada, no dia que eu chegava de mudança em Belo Horizonte, foi difícil de ser superada. Demorei 2 meses para ter coragem de mudar de médico. Quando procurei o novo GO estava com sete meses de gravidez. Ele era atencioso e incrivelmente acessível. Senti muita confiança e relaxei. Era com ele que minha filha iria nascer.

A preocupação começou a ressurgir quando passei de 40 semanas e eu sabia que ele esperaria somente até 41 semanas. Para quem demorou 2 meses para mudar de médico, faltava tempo e coragem para uma nova mudança de última hora. Como se pode ler no curto relato do nascimento da Beatriz, ela nasceu de cesárea (intraparto?).

Era inacreditável que toda a minha busca pelo parto normal não tinha sido suficiente e cheguei a ficar tão desacreditada que lembro de pensar por um momento: não quero mais pensar nisso, o próximo será cesárea e pronto. Mas aos poucos fui revendo o caminho feito e percebendo as questões que me deixaram vulnerável à epidemia de cesárea: a insegurança na gravidez evidente pelo meu modo São Tomé de gestação, por exemplo, ver (US) para crer que estava tudo bem; a confiança exagerada no profissional (ao estilo: ele falou, eu obedeço) e a falta de empoderamento que se traduz em não assumir a responsabilidade no processo gestação/parto.

Entre as decisões para uma experiência diferente figurava uma opção simples: a de não avisar ninguém quando o trabalho de parto começasse e muito menos que planejávamos um parto domiciliar. O objetivo era evitar ansiedades e embates desnecessários. No entanto, numa das meditações na aula de kundalini yoga, vislumbrei a possibilidade de minha mãe estar presente. Durante o trabalho de parto da Beatriz, ela tinha vindo me ver antes que eu saísse para a maternidade, mas não estava conectada com o momento, por isso não gostei de sua presença e comentários. Ao mesmo tempo, já havia experimentado em outras situações difíceis como sua presença tinha sido consoladora. Comentando isso na terapia, foi-me sugerido conversar com ela, enfatizando a força que sua presença tinha. Resolvi, então, conversar com ela e envolvê-la na preparação para o parto do João. Falei de mim, dos meus sentimentos, da importância e força que ela tinha, dei textos para que lesse e levei-a em alguns encontros do Ishtar.

Continua amanhã!!!!